Testemunho de Fevereiro_2022

Testemunho de Fevereiro_2022

Estes testemunhos preenchem as páginas da Lifeline, a revista mensal de Comedores Compulsivos Anónimos. São resultado do trabalho de pessoas que escrevem, não como autores profissionais, mas como comedores compulsivos que estão se recuperando através da prática do programa de Doze Passos.

Passos para a serenidade 

No livro dos Alcoólicos Anônimos são-nos prometidos certos resultados se formos conscienciosos ao trabalharmos os primeiros nove Passos. Entre essas idílicas promessas está a afirmação de que vamos compreender o termo serenidade e atingir a paz.

Para ser serena, a pessoa precisa aprender a ser calma, a ficar sozinha consigo mesma, a gostar de sentar-se por alguns minutos sem sair para cuidar de algum detalhe esquecido. Compreender o termo serenidade é, para mim, o equivalente a ficar suficientemente confortável comigo mesma para não ter que criar problemas ou confusões para evitar ficar entediada. 

A palavra paz sugere-me o termo hebraico shalom. Shalom na verdade quer dizer “ser completo”. Implica em uma apreciação das pessoas e das coisas que nos cercam, que surge de ter pago as dívidas, cumprido os deveres, e ter feito restituições quando necessárias. Quando conhecemos a paz, estamos completos. Podemos aceitar nos como somos, estando plenamente conscientes dos nossos traços negativos e positivos. 

A minha experiência antes de CCA foi justamente o oposto. Não pensava muito bem de mim mesmo, e tinha certeza de que todos concordavam comigo. Tinha concluído que somente quando uma longa lista de condições fosse satisfeita poderia ser feliz. Precisava de dinheiro, poder e prestígio. 

Os meus últimos dias antes de ser levado aos Doze Passos foram angustiantes. As horas eram preenchidas pela espera do amanhã, pelo planeamento da semana seguinte, projetando o mês seguinte, esquematizando o ano seguinte. A vida era uma série de questões sem significado e de mal-entendidos. Diziam-me que eu tinha potencial; mas não podia ver que bem ele me poderia fazer. Sofria demais para apreciar minha amarga existência. Identificava-me com Walter Mitty e chorava por causa da falta de oportunidades. 

Agora, muitas vinte e quatro horas depois, tendo trabalhado inúmeras vezes cada um dos Passos, olho para trás com espanto. Compreendi a palavra serenidade, enfim, e conheço a paz. Tudo que eu disse que me faria feliz aconteceu, mas não são a fonte de minha alegria. Conheci a felicidade antes de alcançar minhas metas materiais.

Hoje, o meu ambiente físico é menos que perfeito, mas o meu ser espiritual está a melhorar diariamente. Em vez de lamentar o que está errado no exterior, tento desenvolver-me interiormente. Hoje é mais importante querer o que tenho do que ter o que quero. Sei que a maioria das coisas na vida são possíveis, se estamos dispostos a pagar o preço. 

Superabundância de posses pode criar preocupações. Aclamação demais pode levar a mal-estar. Poder excessivo pode desviar-nos dos valores reais da vida. Em proporções moderadas, tais realizações exteriores podem valorizar a nossa vida; mas não devemos esperar que o mundo seja perfeito para sermos serenos. Temos que continuar a manter a nossa própria casa em ordem – trabalhando para completar o nosso ser interior, crescendo emocional e espiritualmente. 

Eu, por mim, não sou suficientemente inteligente para saber como viver em bem-estar. Antes de CCA, li livros de psicologia, participei de grupos de autoajuda e iludi-me a achar que era uma pessoa “bem integrada”. Quando cheguei mais perto de me sentir-me seguro, estava tão recheado de comida que dificilmente poderia sentir algo; mas a dor adormecida ainda estava lá. 

Hoje vivo no presente, graças a CCA, ao meu Poder Superior, aos Passos, aos instrumentos – e principalmente à minha boa vontade de usar todos esses recursos. 

Não sou dessas pessoas que acordam em num dia nublado e dizem: “Está um belo dia”. Mas em vez de considerar que aquela é uma manhã melancólica, sou capaz de pensar nos aspetos positivos da chuva. Passei muitos anos a ignorar e a negar a realidade. A verdade pode ser dolorosa e fazer com que me sinta mal. Quando analiso os fatos honestamente, aceito o que não posso mudar e faço o melhor com o que me foi dado, a mágoa é em breve substituída por gratidão e satisfação. 

Sou, só por hoje, uma pessoa completa. Estou a experimentar a sensação de que tudo está bem. Posso sentar-me quieto durante algum tempo e gostar de estar sozinho.  Esta não é uma condição permanente. Assim como minha doença é detida somente por um dia de cada vez, assim minha serenidade depende dos meus esforços e do meu crescimento espiritual e emocional nestas vinte e quatro horas. 

Para aqueles que estão a começar esta jornada: Tenham coragem. Nas palavras do Grande Livro: “Estaremos consigo na Irmandade do espírito, e certamente encontrará alguns de nós enquanto caminha pela Estrada do Destino Feliz”. 

Fevereiro 1980