Estes testemunhos preenchem as páginas da Lifeline, a revista mensal de Comedores Compulsivos Anónimos. São resultado do trabalho de pessoas que escrevem, não como autores profissionais, mas como comedores compulsivos que estão se recuperando através da prática do programa de Doze Passos.

Compaixão e Paciência Gentil

A qualidade “misericórdia” é flexível… é duplamente abençoada… abençoa quem dá e quem recebe… é um atributo do próprio Deus.

Essas palavras são lindas. São pensamentos incorporados no caderno de assinaturas “Nós nos preocupamos” de muitos dos grupos. Mas realmente compreendemos o significado de “misericórdia”? Fazemos nós o sacrifício espiritual necessário para pôr em prática esse atributo, uns em relação aos outros?

O dicionário define “misericórdia” como “compaixão e paciência gentil”. Ela não é fácil. Requer o melhor que temos para oferecer. Significa soltar ressentimento, raiva, medo, e outros sentimentos do mesmo tipo. Significa aproximar-se da outra pessoa e dizer: “Aceito-o, e importo-me com você, não importa qual é a sua aparência agora, nem o modo como está agindo agora”.

Nem sempre é difícil perdoar aos outros seus atos do passado (e perdoar-nos, também), mas perdoar e se importar quando nós e outros CCAs continuamos a ser humanos… bem, esse é o verdadeiro teste de progresso no programa.

E o membro de CCA que mantém peso normal, mas continua a cometer graves deslizes emocionais? Frequentemente nos afastamos com medo ou impaciência? Como tratamos a pessoa que vem para CCA e não é capaz de perder peso? Como tratamos um membro de CCA que esteve com peso normal e volta a comer demais? Os nossos telefonemas diminuem de frequência à medida que essas pessoas infelizes quebram a abstinência de novo e de novo? Sorrimos com a boca e desviamos os olhos quando as vemos nas reuniões? Pensamos: “O que há com ela? Se realmente ela quisesse abster-se, poderia”.

Por outro lado, o que acontece, quando a doença volta, àqueles que estão recuperando o peso perdido (ou aos que nunca perderam peso)? Ficamos cheios de culpa e vergonha? Consideramo-nos sem valor? Não esperamos nenhuma misericórdia e nenhuma aceitação da parte de nossos companheiros?

É fácil aceitar um membro de CCA que está abstinente e está perdendo peso e permanece em razoável ou equilibrado estado emocional. Mas isso não é um teste para nosso programa; não requer esforço nem sacrifício de nossa parte, não é preciso exercer compaixão ou paciência.

O verdadeiro teste é quando, apesar de nossos melhores esforços, uma criança ou um amigo continua a reagir violentamente, ou quebra a abstinência repetidamente ou ganha peso.

Precisamos lembrar que todos estamos aqui porque CCA é o nosso céu, um lugar de último recurso. Não temos ninguém mais, só temos uns aos outros, e nenhum outro lugar para ir. Portanto, um comedor compulsivo fazer outro comedor compulsivo sentir-se culpado ou envergonhado é a maior tragédia de todas as tragédias. Se julgamos uns aos outros, ou se fazemos com que nos sintamos, de alguma forma, do modo como nos sentimos lá fora, destruímos aquilo em que acreditamos e anulamos nosso propósito.

Vamos reexaminar o que Shakespeare queria significar quando disse: “A qualidade ‘misericórdia’ é flexível”. É como um elástico – expande-se com o dar e receber, contrai-se quando é tolhida. A misericórdia é uma expansão da atitude, e não de tempo ou dinheiro. “É duplamente abençoada… abençoa quem dá e quem recebe”. Não é notável? Neste mundo agitado e inseguro, quem oferece e quem recebe misericórdia vai sentir somente alegria e serenidade, que resulta em um senso de valor além do imaginado. Incidentalmente, para os que ainda estão lutando para perder peso, a boa vontade de aceitar a misericórdia é um passo seguro em direção à paz de espírito.

No esquema natural das coisas, algumas pessoas que agora estão em manutenção vão aumentar de peso, e algumas das que tentam e tentam outra vez vão abster-se e manter um peso normal. Os que estão perturbados emocionalmente vão melhorar, e os que estão emocionalmente estáveis vão passar por deslizes. Mas nada disso é tão importante quanto o crescimento espiritual que atingimos ao sermos misericordiosos uns com os outros, não importa qual seja nosso estado físico ou emocional. “Misericórdia é um atributo do próprio Deus”.

Julho/agosto 1973