Testemunho de Outubro
Estes testemunhos preenchem as páginas da Lifeline, a revista mensal de Comedores Compulsivos Anónimos. São resultado do trabalho de pessoas que escrevem, não como autores profissionais, mas como comedores compulsivos que estão se recuperando através da prática do programa de Doze Passos.
“O desejo de ser magro: uma represa rompida”
A Terceira Tradição diz: “Para ser membro de CCA, o único requisito é o desejo de parar de comer compulsivamente”. Quando vim para Comedores Compulsivos Anônimos quatro anos e meio atrás, com 115kg, pensava que essa Tradição significava que eu devia ter o desejo de ser magro. Foram-me necessários quatro anos de manutenção com 70kg para descobrir que há uma grande diferença entre desejar ser magro e desejar abster-me de comer compulsivamente.
O sonho do alcoólico é aprender a beber socialmente. O sonho do comedor compulsivo é aprender a “comer socialmente” – isto é, permitir-se o tipo de comilança socialmente aceita, representada pela ingestão de lanches e refeições por motivos outros além da nutrição de corpo; em festas, piqueniques, jantares e ocasiões sociais de qualquer tipo. O alcoólico reza: “Deus, deixa-me beber e não ficar bêbado”. O comedor compulsivo diz: “Deus, deixa-me comer e não ficar gordo”. O que o comedor compulsivo realmente quer dizer é: “Deus, deixa-me comer do modo como os outros comem, e mais o que eu quero comer, e não ficar gordo”.
Nós, que somos suficientemente afortunados para chegar aos programas anônimos, descobrimos que não é suficiente querer ser um bebedor social sóbrio ou um comedor social magro, e que o obstinado desejo de ser bebedor “normal” e comedor “normal” é tanto raiz como galhos de nossa auto destrutividade. Se eu, comedor compulsivo, quero ser “sóbrio”, isso significa que devo desistir do sonho do bufê – tudo que poderia comer sem custo extra. Se quero ter a compulsão por comer demais removida, não posso ter reservas. Querer apenas perder peso indica somente boa vontade para se submeter a outra dieta, ou, em outras palavras, fazer uma “comilança vazia”.
Desejar ser magro é como tentar deter a água que irrompe de milhares de buracos em uma represa – a água eventualmente vai jorrar sobre mim. É somente quando verdadeiramente desejo abster-me da insanidade do comer compulsivo que sou capaz de dar o Primeiro Passo.
As condições entre ter verdadeira abstinência ou estar em dieta, ou “comilança vazia”, são muito diferentes. Um alcoólico que não está bebendo, mas continua a se permitir variantes dos mesmos padrões de comportamento, é chamado de “bêbado seco”. Da mesma forma, muitos de nós, CCA’s, andamos por aí dizendo que estamos abstinentes por dias, meses ou anos, quando realmente estamos fazendo dieta, ou “comilança vazia”.
Desejar abstinência em relação ao comer compulsivo não é a mesma coisa que desejar ser magro. É somente quando a pessoa para de se preocupar com o sintoma – excesso de peso – e ataca a própria doença – comer compulsivo – que a sanidade começa a voltar, que as promessas começam a se realizar, e que a abstinência é, finalmente, uma alegria, em vez de ser uma luta.
62
A questão, portanto, não é se eu desejo ser magro, mas que aceite o fato de ser vítima da doença do comer compulsivo, e que realmente deseje ficar livre dela. É esta confrontação inicial de minha motivação que primeiro (e em minha opinião é o mais importante) precisa da mais rigorosa honestidade; e é isto, e não outro tipo de boa vontade que me leva livre e alegremente a pôr em prática os Doze Passos de recuperação.
Novembro/Dezembro 1977