Testemunho de Setembro_2022

Testemunho de Setembro_2022

Estes testemunhos preenchem as páginas da Lifeline, a revista mensal de Comedores Compulsivos Anónimos. São resultado do trabalho de pessoas que escrevem, não como autores profissionais, mas como comedores compulsivos que estão se recuperando através da prática do programa de Doze Passos.

Posso sentir o perfume das rosas

Aqui estou, numa cama de hospital. Não é incomum, para mim, nem é assim tão ruim. Tenho uma doença crónica que requer hospitalização periódica; mas, graças a este amoroso programa de Doze Passos aprendi a viver tão intensamente nos meus dias fora do hospital, que não me importo. 

Enquanto estou aqui lembro os primeiros dias: a biópsia do rim que deixou uma cicatriz de 30cm porque tudo que conseguiram com uma biópsia feita com agulha foi tecido adiposo; o remédio para pressão sanguínea alta que eu tomava três vezes por dia por ser tão obesa; e, o pior de tudo, o ódio que sentia por mim mesma, por ser a pessoa que era. 

A vida, hoje, é diferente. Estou 32kg mais leve e venho mantendo a perda de peso durante três anos. No ano passado fizeram-me uma biópsia com agulha, e foi fácil.  Não tomo mais medicação para pressão sanguínea alta, e rio como uma criança quando o médico mede minha pressão, sacode a cabeça, nem acreditando, e sorri com satisfação. Mas minha maior alegria é ver as Promessas se realizarem em minha vida todos os dias. 

Só por hoje, meu plano alimentar é, essencialmente, “manutenção medicinal livre de sal”. Fico com medo quando entro em território desconhecido com esse plano bem definido, mas, com a ajuda de Deus, de minha madrinha e dos amigos de CCA, sou capaz de lidar serenamente com a situação. 

Admito que algumas vezes tenho a sensação de pânico que me faz pensar: “Que situação! Não posso aguentar”. Tive essa sensação pouco antes de entrar no hospital.  Achava que minha abençoada abstinência ia ser prejudicada. Talvez por esse motivo senti-me motivada a refletir sobre o modo como Deus e CCA trabalham em minha vida em qualquer lugar. Se admito Deus em mim, peço ajuda e falo sobre meus medos, posso permanecer abstinente no hospital, em minha cozinha, no restaurante ou na casa de uma amiga. Apenas tenho de ser honesta, fazer algum planeamento e dizer-me: “Você vale o esforço”. 

Vou contar-lhes um pouco do que me permite sobreviver. Em primeiro lugar, dou os Passos Primeiro, Segundo e Terceiro todas as manhãs, aceitando que sou comedora compulsiva e me submetendo aos cuidados de meu Poder Superior. Depois realizo as ações necessárias para cuidar de mim. 

Quando venho para o hospital lembro ao médico que sou comedora compulsiva e peço-lhe para escrever um cardápio com os requisitos para a dieta que ele impõe e os requisitos essenciais para minha abstinência pessoal. Peço uma consulta com o nutricionista do hospital para discutirmos meu plano alimentar. O pessoal do hospital, para minha admiração, não fica ressentido, nem me considera um aborrecimento; respeita-me por estar alerta às minhas necessidades.

Quando viajo, levo alimentos importantes para a manutenção medicinal e, logo que chego, procuro CCA na lista telefônica, dou telefonemas e vou a reuniões – bem como faço em casa – e assim posso sentir o amor e o apoio dos amigos. 

Quando sou convidada para a casa de amigos, discuto as minhas necessidades alimentares com a dona da casa, mantendo em mente que amo as pessoas que vou visitar e elas me amam, e então não preciso sentir-me constrangida. Abstenho-me de me chamar de excêntrica (algumas vezes é difícil!), e repito a mim mesma que assim como as pessoas prejudicadas fisicamente precisam de uma rampa para entrar em um prédio, eu preciso de um plano alimentar especial para manter a saúde. Sou grata por me amar o suficiente para agir assim. 

A cada dia faço novas descobertas. Cada experiência positiva mostra-me que posso viver livre de minha compulsão e apreciar a comida e ser eu mesma. Posso sentir o perfume das rosas. Posso amar as pessoas. E posso sentir prazer com o programa que me ensina que a vida é boa e rica em alegrias. 


Setembro 1983